Muita gente não consegue ficar em paz com o barulho nas ruas. Carros,
serestas, bares, carros de propaganda e até buzinas são os maiores
vilões que intranqüilizam o sossego alheio aqui na cidade de Iaçi. Ao serem solicitados, muitos
policiais se sentem inseguros para coibir a prática por não haver na
lei a conduta prevista como crime. O que fazer se a Lei do Silêncio
prevê 70 decibéis e o PM não tem o aparelho aferidor?
Em princípio, a Lei do Silêncio que muita gente comenta é norma
municipal, como a lei 5354/98 sancionada em Salvador. E tem cidades
em que ainda não se editou nenhuma lei. A não ser que o policial esteja
em blitz integrativa, dando poder de polícia aos agentes do município
para a fiscalização administrativa, essa lei não nos interessa.
Então vejamos o que nos diz o Decreto-Lei 3688/41, Lei das Contravenções Penais — LCP:
Perturbação do trabalho ou do sossego alheios
Art. 42 – Perturbar alguém, o trabalho ou o sossego alheios:
I – com gritaria ou algazarra;
II – exercendo profissão incômoda ou ruidosa, em desacordo com as prescrições legais;
III – abusando de instrumentos sonoros ou sinais acústicos;
IV – provocando ou não procurando impedir barulho produzido por animal de que tem guarda:
Pena – prisão simples, de 15 (quinze) dias a 3 (três) meses, ou multa.
Como o elemento subjetivo da conduta é o dolo, o infrator precisa ter
a
vontade consciente de perturbar o sossego alheio para que se
considere uma infração penal. E não é isso que normalmente acontece com
um motorista, por exemplo, que aumenta o som de seu carro para beber num
bar. Mas ele assume o risco, então teve dolo eventual. Ao homem médio, é
natural se concluir que aquele volume de som pode causar incômodo a
alguém. Portanto a guarnição realmente determinará ao dono do veículo
que cesse o ruído, informando-lhe sobre o incômodo que o som está
provocando. Havendo insistência do condutor, há o cometimento da
contravenção e agora do crime de desobediência, Art. 330 do Código
Penal, já que a ordem do servidor foi legal.
Na prática, é apenas solicitado ao dono que abaixe ou desligue o som.
Não é a medida esperada pela lei. Cessado o ruído perturbador, não
cessam seus efeitos. O PM não deve mensurar a ofensividade do bem,
concluindo que se refere a uma infração de menor potencial ofensivo,
pois já fez isso o legislador, que até o momento não revogou o
dispositivo que ainda vige. Então a condução à delegacia é a medida que
se espera do policial para que se previna a infração, que se
responsabilize o seu autor e que o bem jurídico tutelado, o sossego
alheio, recupere a lesão sofrida. E o solicitante, aquele mesmo que
chamou a guarnição, tem o direito de exigir o cumprimento da lei.
Pouco importa se a Prefeitura Municipal concedeu ou não alvará para a
prática de algum evento ou funcionamento de algum bar ou casa noturna. O
âmbito aqui é penal. Cabe aos proprietários de seus bares e de suas
casas noturnas impedir a saída do som para a parte externa de seus
estabelecimentos. Pouco importa também a existência de prova técnica que
ateste a quantidade de decibéis.
Vejamos a jurisprudência:
34005115 – CONTRAVENÇÃO PENAL – PERTURBAÇÃO DO TRABALHO OU DO SOSSEGO ALHEIOS – POLUIÇÃO SONORA – PROVA – ALVARÁ – O abuso de instrumentos sonoros, capaz de perturbar o trabalho ou o sossego alheios, tipifica a contravenção do art. 42, III, do Decreto-lei nº 3688/41, sendo irrelevante, para tanto, a ausência de prova técnica para aferição da quantidade de decibéis, bem como a concessão de alvará de funcionamento, que se sujeita a cassação ante o exercício irregular da atividade licenciada ou se o interesse público assim exigir. (TAMG – Ap 0195398-4 – 1ª C.Crim. – Rel. Juiz Gomes Lima – J. 27.09.1995)
34005370 – CONTRAVENÇÃO PENAL – PERTURBAÇÃO DO TRABALHO OU SOSSEGO ALHEIOS – SERESTA – PROVA PERICIAL – A promoção de serestas sem a devida proteção acústica, configura a infração prevista no art. 42 do Decreto-lei nº 3688/41, sendo desnecessária a prova pericial para comprovar a sua materialidade. (TAMG – Ap 0198218-3 – 1ª C.Crim. – Rel. Juiz Sérgio Braga – J. 29.08.1995)
34004991 – CONTRAVENÇÃO PENAL – PERTURBAÇÃO DO TRABALHO OU SOSSEGO ALHEIOS – CULTO RELIGIOSO – POLUIÇÃO SONORA – A liberdade de culto deve ater-se a normas de convivência e regras democráticas, tipificando a contravenção prevista no art. 42, I, do Decreto-lei nº 3688/41 os rituais que, através de poluição sonora ou do emprego de admoestações provocantes dirigidas aos vizinhos, perturbem a tranqüilidade destes. (TAMG – Ap 0174526-8 – 1ª C.Crim. – Rel. Juiz Sérgio Braga – J. 14.02.1995) (RJTAMG 58-59/443)
O bem jurídico Sossego Público não é um bem irrelevante. O silêncio é
um direito do cidadão. A Polícia é obrigada a coibir essa prática
desrespeitosa e promover a paz pública. O policial que lê esse post,
tenha convicção que sua ação é respaldada pelo ordenamento jurídico.
Não esqueçamos ainda que a poluição sonora é crime disposto no artigo 54 da Lei 9605/98, Lei de Crimes Ambientais – LCA:
Art. 54. Causar poluição de qualquer natureza em níveis tais que resultem ou possam resultar em danos à saúde humana, ou que provoquem a mortandade de animais ou a destruição significativa da flora:
Pena – reclusão, de um a quatro anos, e multa.
Se o crime é culposo:
Pena – detenção, de seis meses a um ano, e multa.
Não se trata de revogação da contravenção, já que é norma posterior
que trata da mesma matéria. Pois o objeto jurídico tutelado na LCP é o
sossego ou trabalho de alguém sem o caráter difuso, coletivo, como na
LCA. A poluição sonora constitui-se em ruído capaz de produzir incômodo
ao bem-estar, ao sossego ou malefícios à saúde humana. Estudos mais
acurados revelam que um indivíduo submetido diariamente à poluição
sonora, pode apresentar sérios problemas de saúde como distúrbios
neurológicos, cardíacos e até mesmo impotência sexual. Daí a evolução
dessas discussões em assuntos ambientais.
A Polícia então deve atuar coercitivamente, promovendo a
tranqüilidade social, a paz coletiva, e atender à ocorrência de
perturbação do sossego, seja o solicitante que for. O cidadão tem o
direito de viver sem perturbações. E a força do Estado é a Polícia, sob
pena de cometimento do crime de prevaricação ou até mesmo de crime
omissivo impróprio, respondendo pelas lesões causadas dos ruídos. Logo,
cidadão, se você se sente incomodado em seu sossego, chame a polícia e exiga seus direitos.

Nenhum comentário:
Postar um comentário