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domingo, 31 de março de 2013

MISTER M : SAIR DO CRIME JÁ É UMA GRANDE VITÓRIA

Vida nova. Diego ganhou apoio da Reserva após ser fotografado, sendo preso, com camiseta da grife. “Senti alívio quando me entreguei” Foto: Camilla Maia

Em novembro de 2010, no dia da ocupação do Complexo do Alemão, Diego Raimundo Silva dos Santos, conhecido como Mister M, que trabalhava com o tráfico, decidiu se entregar à polícia a pedido da mãe e do irmão, que são evangélicos. Na rendição, ele usava uma camiseta da Reserva com o símbolo do pica-pau, foto que estampou a capa de jornais e sites. Na sede do AfroReggae, onde hoje trabalha como cinegrafista, ele quer esquecer os nove meses de cadeia, que amargou nas penitenciárias de Bangu 1 e Bangu 2, e investir na carreira de modelo que começou, ano passado, na grife de Rony Meisler. E nega ter sido traficante, apesar de ter trabalhado com o braço direito do tráfico.
— Nunca fui traficante nem usei drogas. Eu era o braço direito do chefe do tráfico no Alemão — conta Diego, que tem 27 anos e nove irmãos que não foram para o desvio.
Na sede da entidade, de onde se descortina parte de Santa Teresa, Diego conta ter nascido do outro lado da Praia de Ramos, onde morou até os 11 anos, e depois foi para o Complexo do Alemão.
— Minha mãe é dona de uma cooperativa de vans, e meu pai não sei o que faz. Ele aparecia e sumia. Tipo uns dez anos, desapareceu e não voltou mais.
Quando começou na vida bandida, Diego tinha 16 anos. A maioria dos amigos escolheu esse caminho, e ele acabou indo atrás. No começo, ganhava pouco, com o tempo foi ganhando muito dinheiro.
— Minha arma era um fuzil. Primeiro aprendi o básico, destravar e apertar o gatilho, depois fui aprendendo o resto. Tinha uma mata lá para onde a gente ia para ficar atirando. Se eu já matei alguém? Nos confrontos, eu atirava, mas, se matei, não sei. Hoje vejo que joguei minha infância fora — conta Diego, que é casado e tem duas filhas: Maria Clara, de 5 anos, e Ana Júlia, de 3.
De início, desconfiança

O amigo de infância Juscelino Vitorino até que tentou resgatar Diego dessa vida. Ele fora acolhido pelo AfroReggae um ano antes de Diego.
— Eu sou suspeito para falar, a gente tem uma relação de irmão, vivemos juntos aquela loucura, mas tínhamos certeza de que um dia íamos sair daquela vida. Só que Diego naquela época não acreditava muito. Hoje vivemos outra realidade, não existe mais medo, não existem mais armas — diz Juscelino, que hoje mora em Santa Teresa com o amigo.
Quando recebeu a proposta de ajuda de José Junior, líder do AfroReggae, Diego ficou desconfiado.
— Eu não entendia por que uma pessoa que não me conhecia queria me ajudar, mas hoje ele é um pai para mim — confessa Diego, que tem as costas “fechadas” com uma tatuagem do rapper americano 50 Cent.
Junior diz que sempre gostou de Diego, a quem conhece desde que “ele era bandido”.
— Sempre o “ameacei” dizendo: vou te tirar da boca, me aguarde! Quanto à entrega, soube durante a minha subida ao morro para conversar com os traficantes, a fim de evitar um banho de sangue.
Para Junior, todos que pedem uma chance devem ser ajudados.
— Tem casos em que percebemos que é mentira e outros em que esse desejo vem da alma. O Diego sempre me chamou a atenção porque é muito talentoso, até para manusear armas. Antes de entrar para o crime, ele era um dançarino de valsa e ritmos caribenhos excepcional. Inclusive fez parte de um grupo de dança. Quando se entregou com a camisa da Reserva, eu falei: “Vamos te transformar em modelo e em uma referência”.
O empresário dono da Reserva lembra que, no dia em que Diego se entregou com uma camiseta de sua marca, seu telefone tinha vinte chamadas perdidas.
— Comecei a escutar os recados, e todos diziam a mesma coisa: “O traficante tá no jornal com a sua camisa, e agora? Você tem que impedir que essa imagem seja veiculada”. Liguei para o Junior para entender como eu lidaria com essa crise. E aí caiu a ficha. Em vez de tentar abafar a associação da imagem da minha marca com um bandido, por que não envolvê-la em um projeto de reinserção social, tão valioso para nosso país? O curioso é que, quando Ronaldo Fenômeno, Wagner Moura e Ashton Kutcher apareceram nos jornais vestindo Reserva ninguém me ligou pra saber o que eu achava.
‘A temporada na cadeia foi difícil’
Conversando com Junior, Rony Meisler disse ter ressalvas à ligação de sua marca com um bandido.
— Foi aí que ele me disse que ou eu entendia a importância do AfroReggae para a sociedade ou não tínhamos como realizar qualquer projeto. Então me aprofundei na causa, fui a Bangu 1 conversar com os cabeças do crime organizado no Rio, conheci as sedes do AfroReggae, e finalmente caiu a ficha de que o pensamento “bandido bom é bandido morto” não funciona. A única solução é a reinserção social, oferecer alternativas para que as pessoas deixem o narcotráfico. Quando entendi isso, comecei a elaborar com o Junior como poderia colaborar. Foi aí que veio a ideia do selo Reserva + Ar, uma solução onde há ganho financeiro para sustentar os projetos socioculturais da instituição, ao mesmo tempo em que ajuda a disseminar a causa de maneira positiva.
Rony diz que está oferecendo produtos de moda que gerem desejo de consumo da clientela.
— O lucro vai para a instituição, e, de quebra, as peças ajudam a disseminar a causa por aí. A meu ver, uma maneira muito mais sutil, e que por isso mesmo pode chegar ao coração das pessoas. Estamos usando o poder de transformação da moda para transformar nossa sociedade — explica Rony. — A próxima campanha com o Diego para o selo já está sendo planejada. Vamos editar a linha anualmente e, em agosto, teremos novidades. O lançamento nas lojas fica para setembro.
Entusiasmado, Diego diz que quer fazer faculdade de Cinema. E também que aprendeu a lidar com a desconfiança das pessoas que não acreditam na sua volta por cima.
— Senti muito alívio quando me entreguei. A temporada na cadeia foi difícil, fui criado na rua, livre — conta Diego, que está há dois anos no AfroReggae e teve o primeiro catálogo do selo clicado por JR Duran.
Com 1,83m e 78 quilos, ele malha todos os dias, joga futebol americano na Praia de Botafogo e adora macarrão.
— Se eu tinha medo? Todo mundo tem, mas tem que saber controlar. Se a pessoa estiver armada não vai sentir muito medo, mas se tiver desarmada... É como as pessoas falam: tiro trocado não dói.
E admite que gostava de morar no Complexo do Alemão:
— É divertido, todo mundo fala com todo mundo. Mas não tem aquela gritaria com mulheres brigando, como na novela “Salve Jorge”.

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